quarta-feira, 27 de abril de 2016

Uma beleza de Dor

Beleza e dor a primeira vista são termos aparentemente incompatíveis na mesma frase, e mais ainda se a beleza é adjetivo referido a própria dor. Dor é algo que a maioria das pessoas não gosta. É desagradável, ruim e indesejada. Seja ela no corpo, na alma ou no coração, ela nunca é esperada com alegria.
Nas suas variações temos dores físicas agudas, crônicas - e de minha autoria - as sentenciais, que nos acompanharão e nos proporcionarão os momentos derradeiros.  A simples memória ou projeção da dor tem o poder de nos causar arrepios e fobias.
No mundo subjetivo também existem classificações de dores, e variações da mesma. Algumas são totalmente intrusas e fora do nosso controle. São feridas fundas que jamais desaparecerão. Porem outras escolhemos cultivar, apesar de todos os alertas, insistimos em alimentá-las ate que se alimentem de nós. Exemplos fáceis são as frustrações guardadas, o orgulho isolador, a negligencia ao perdão, a necessidade de sentir-se vitima, enfim, são tantas dores do mundo subjetivo.
Como já dizia algum autor, que infelizmente não lembro quem é, “cada um sabe da dor e da alegria que carrega no coração”. Mas seja a dor física ou subjetiva, em suma, a dor incomoda. A dor exprime urgência, gera angustia, não permite espera ou adiamentos. A dor exige iniciativa, clama por cura, e não descansa até que a solução do problema seja total.
A beleza da dor mora bem aí, no meio do seu emaranhado de petulância, no incomodo. Incomodar significa anular a comodidade, que para ser restabelecida necessita de providencias praticas. Citarei alguns exemplos bem práticos de como a dor gera atitude a fim de retomar a comodidade.
 A dor movimenta nosso corpo afim de que não necrosemos por falta de circulação sanguínea. Faz-nos buscar abrigo e alimentos para não morrermos de fome e frio, impede que nos queimemos de maneiras mais graves pelo descuido com o sol ou utensílios culinários.
Levando pro mundo mais subjetivo, a dor na consciência deveria nos impedir de irmos dormir brigados com o cônjuge. Nos impele a pedir desculpas, nos constrange a fazermos o certo quando de pronto não estamos muito dispostos. A dor da saudade faz com que reduzamos as distancias entre nossos amados e nos impede de desistirmos de uma relação nos primeiros impasses. A lembrança de dores de coração partido nos torna mais seletivos quanto a quem colocamos pra dentro de nossas vidas e também nos ensinam a não partir corações alheios.
Os profissionais da área da saúde estão bastante familiarizados com a informação enfática de que as doenças mais perigosas são as silenciosas (e indolores), por que seus portadores geralmente só buscam ajuda quando já é tarde demais, pois nenhuma dor anterior os alertou que algo estava errado. E basicamente essa é a função da dor, alertar de forma bem palpável que algo não vai bem.
Quando deixamos de sentir as dores que nos cabem, provavelmente é por que já caímos da beira do precipício. Quando nosso coração não dói mais ao passar anos sem visitar nossos pais, talvez nem mais tenhamos coração.
Quando a consciência nos deixa dormir em paz mesmo depois de um dia corrupto, provavelmente já tenhamos a assassinado. Quando nossos sonhos abafados param de se debater dentro de nós, talvez o eu interior já tenha falecido, e apenas dançaremos o resto da valsa por que a musica ainda toca. Que tragédia a ausência da dor.
A ausência do incomodo pode nos estagnar, e que trágico é o abandono da busca por algo melhor. Que trágico o cessar da busca por mais sabedoria, quando a dor da ignorância cessa e nos sentimos confortáveis com nossa situação medíocre.
O crescimento dói, a hipertrofia muscular dói, e a busca pelo crescimento pessoal em geral é iniciado por uma dor também pessoal. A dor é inteligente, e se nos aproveitarmos dos avisos que ela nos dá, podemos sim considerá-la bela, e útil ferramenta na lapidação do nosso caráter. Infelizmente muito dessa vida só se aprende pela dor. Muita sabedoria só se adquire sentindo na pele certas agruras.
E antes de encerrar, acho interessante lembrar mais uma curiosidade sobre a dor. Ela é muitíssimo particular e pessoal. Não se pode sentir a dor do outro, e se faz ainda mais particular pelo fato de cada pessoa a sentir de forma única. O estimulo que para um pode ser apenas um incomodo médio, é extremamente dolorido para o outro.
Outra curiosidade é que, via de regra, meu mindinho do pé pisado sempre vai me parecer mais dolorido que o seu estorce de tornozelo, por que eu posso sentir apenas meu mindinho. Meu coração partido por um amor de verão ainda vai parecer mais dramático que a sua viuvez precoce.
Pense um pouco, não é assim mesmo que funciona?! Temos uma pré-disposição a menosprezar a dor alheia, afinal não estamos sentindo nada, mas geralmente nos tornamos muito mais sensíveis a uma dor de outrem quando nós mesmos já passamos por ela.
Para curarmos uma dor precisamos de uma iniciativa, mas não precisamos nos curar sozinhos.
Pedir ajuda pode ser muitíssimo sensato quando não se sabe a receita pra curar a sua dor. Também é sensato ajudar a quem vemos sofrendo, sem julgamentos nem espera de algo em troca. Torna-se absolutamente obrigatória a solicitude ao próximo quando lembramos que com certeza já fomos inúmeras vezes auxiliados em momentos de dor.
Desenvolver a empatia e o empenho em aliviar as dores dos outros nos torna muito mais humanos, muito menos duros e solitários, alem de funcionar como excelente analgésico a nossas próprias dores.


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